28 Fevereiro 2020 - 17:51

Reintegração social transforma mais de 600 vidas por meio do trabalho em Alagoas

“Ressocializar é a melhor saída”. A frase soa certeira quando o assunto é a reintegração social de reeducandos do sistema prisional. Um tema delicado, que apresenta números, fatos e relatos pouco animadores na maioria dos estados brasileiros. Em Alagoas, por outro lado, iniciativas para promover a inserção da população carcerária por meio da educação e do trabalho se tornaram referência nacional.

Dados fornecidos pela Secretaria de Estado da Ressocialização e Inclusão Social (Seris) registram que até o dia 21 de janeiro deste ano 9.197 pessoas cumpriam pena em território alagoano. Do total de 4.470 condenados em regime aberto (1.815) e semiaberto (2.655), 627 ocupam atividades laborais remuneradas em programas promovidos pela instituição, num total de 1.176 vagas ofertadas. Este mês, um desses programas – batizado Uma Nova História – chegou à marca de 40 entidades parceiras, entre instituições públicas e empresas privadas.

Os dados chamaram a atenção do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). “Alagoas não tem destaques negativos nesse ponto. Tem uma média de vagas por detento maior do que a média nacional e uma das menores taxas de presos provisórios do país”, observou o secretário-geral do CNJ, desembargador Carlos Vieira Von Adamek.

Resultados que vão além da frieza dos números. “Todo ser humano merece uma segunda chance”. O inabalável clichê da civilização foi repetido por Alfredo Brechó Monteiro, gerente de Qualidade de Produto da Casal, ao falar sobre a trajetória da colega de trabalho Rosilda Lúcio da Silva, 31. Há cinco anos, a jovem natural de Capela foi entrevistada pelo servidor durante processo seletivo para ocupar vaga de auxiliar de serviços gerais no órgão. Deu certo.

Merecimento posto à prova, Rosilda não decepcionou. Hoje, ao cumprir no regime aberto os últimos meses da pena de sete anos e meio após condenação por formação de quadrilha, a mãe de três filhas descreve com exaltação as razões que a fizeram recomeçar a vida. “Graças ao emprego na Casal, eu voltei a estudar e me formei no ensino médio. Depois fiz um curso técnico em Nutrição e recentemente consegui financiar um apartamento. Até meu atual marido foi a Casal que me deu”, revelou com brilho nos olhos.

Capacitação profissional, casa própria e um novo amor. Uma combinação bem diferente da época em que, segundo declarou, andava com “amizades erradas”. Ao ser presa, em abril de 2012, estava no segundo mês de gestação. Até ser transferida para o presídio em Maceió, passou metade do ano detida numa delegacia na cidade de Igreja Nova. “Não tive nenhum apoio por lá. Dei graças a Deus quando fui para o sistema prisional”, lembrou.

Alcance social - Em geral, as memórias do cárcere carregam relatos dramáticos. No caso de Rosilda, as oportunidades de superação oferecidas durante a privação da liberdade escreveram o capítulo crucial de um enredo inesperado. “Eu me senti muito abraçada. A psicóloga me incentivava a ler. Eu lia bastante. Depois passei a incentivar as outras presas a ler. Saí do sistema prisional muito preparada para encarar uma nova vida”, afirmou. O salário mensal de R$ 1.400 e os tickets de vale-alimentação ajudaram.

O café quentinho é a primeira tarefa ao chegar, às 7h30, na copa instalada na unidade da Casal do Benedito Bentes. Após o expediente, no fim da tarde, Rosilda passa no grupo escolar para pegar as filhas. As meninas se inspiraram na mãe e hoje também cultivam o hábito da leitura. O chefe confirmou o relato.

“Acho que, entre os mais de dez conveniados que passaram por aqui, ela foi uma das que mais se transformou. Mudou o vocabulário e o tratamento com as filhas. Para você ver o alcance social do programa”, atestou o gerente Alfredo Brechó.

O arco do aprendizado nunca se fecha. No caso da ex-detenta, a experiência de acolhimento e orientação oferecida no sistema prisional catalisou a expansão de processos inerentes à formação humana. Hoje, uma extrovertida Rosilda volta aos presídios com regularidade, mas agora para levar doações, como fraldas e roupas, arrecadadas com os colegas.

Wandson Douglas Lima, 30, também voltou a frequentar o complexo prisional situado na Cidade Universitária, em Maceió. Não por reincidência, e sim para bater ponto no trabalho. Eis outra surpreendente biografia pessoal convertida pelo programa Uma Nova História. Há um ano e oito meses, Wandson foi contratado como assistente-administrativo na Gerência de Educação, Produção e Laborterapia (GEPL) da Seris, onde funciona a chamada Fábrica de Esperança – programa de ressocialização dirigido aos apenados em regime fechado.

A condenação de cinco anos por tráfico de drogas o levou para trás das grades em setembro de 2016. Um ano depois, passou para o regime semiaberto. Mas o alívio da liberdade, ainda que limitada pelo uso da tornozeleira eletrônica, engasgou no desemprego. “As portas se fecharam lá fora de uma forma que eu nunca vi”, lamentou. Logo para ele, que desde os 16 anos trabalhou com carteira assinada.

Douglas procurou reintegração pelos meios oficiais. As conversas com assistentes sociais e psicólogas da Seris ajudaram a identificar áreas afins ao seu perfil profissional. Embora com o ensino médio incompleto, o currículo registrava experiências em administração e logística da época em que trabalhou em pizzarias. Daí o convite para o labor administrativo.

“Acreditar é uma palavra-chave aqui. Eles depositam muita confiança na gente e isso nos faz acreditar que podemos ser melhores que antes”, enalteceu. Desde então, a vida mudou num aspecto vital: a manutenção da família. O emprego garantiu renda de R$ 1.300 para cuidar da esposa e de um casal de filhos.

Primeiro lugar no Enem - No caso da ressocialização, o convívio em ambiente de trabalho pode gerar desdobramentos necessários para quem deseja, literalmente, começar uma nova história. Após concluir os estudos, Wadson foi incentivado pelos colegas a concorrer na última edição do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). “Nunca passou pela minha cabeça tentar um vestibular”, confessou.

Foi por pouco. Mais duas vagas, ele seria calouro do curso de Administração da Universidade Federal de Alagoas (Ufal). “Obtive uma boa nota. Só que eu me inscrevi num curso que exigia uma pontuação maior”, assinalou. Com uma folha em mãos, fez questão de mostrar a lista de outros cursos que teria passado. Em alguns deles teria passado em primeiro lugar, como Biblioteconomia, Ciências Biológicas, Ciências Sociais, Engenharia Florestal, Física, Geografia, História, Letras, Física, Meteorologia e Pedagogia. “Com mais 14 pontos, eu entraria no curso de Direito”, destacou.

Uma pessoa interessada em aprender. Assim, o supervisor de Laborterapia do GEPL, Onésimo de Albuquerque, define o assistente. “Percebemos o brilho em seu olhar, sempre em busca de algo mais. Ele agregou muito valor aos trabalhos internos, e a gente também aprendeu com o Douglas”, avaliou o gestor.

Há um ano no regime aberto, Douglas tem mais dois anos de sentença pela frente. O período trabalhado pode contribuir com a remissão da pena. Ele ainda avalia se dará entrada no pedido de remissão, afinal, com o término da pena, o contrato de emprego também expira. “A Seris é muito ampla na missão de ressocialização, de acolhimento ao egresso. É a realização efetiva do trabalho que é feito desde a base, desde a seleção”, sublinhou o gerente Onésimo.

Não por acaso, o jogo de palavras com duplo sentido que abre a reportagem se tornou uma espécie de lema do Fábrica de Esperança. Afinal, ninguém dúvida: “Ressocializar é a melhor saída”.

por Agência Alagoas

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